O ônibus era insuportavelmente cheio àquela hora,
mas agora faltava pouco para chegar em casa. Seus pés estavam latejando por
passar tantas horas em pé entregando folhetos. Mas precisavam daquela renda
extra. O dinheiro vinha sendo um grande problema desde que João, seu marido,
perdera o emprego.
Madalena tentou mudar de posição, pois seus braços
estavam dormentes com o peso das sacolas do mercado, mas o ônibus estava muito
cheio para isso. Finalmente chegou o seu ponto, mais 15 minutos de caminhada e
estaria em casa.
A primeira coisa que notou ao entrar em casa foi
João dormindo a sono solto no sofá. Não que isso lhe causasse surpresa. Desde
que ele saíra do emprego passava seus dias entre a cama e o sofá. Mas hoje ele tinha
uma entrevia para um emprego e ela estava doida para saber como fora. Decidiu deixa-lo
dormir mais um pouco enquanto arrumava as compras na cozinha.
Ao terminar de colocar no armário as poucas compras
que o dinheiro que tinha recebido permitira comprar, aproveitou para preparar rapidamente
o jantar. Colocou algumas latinhas de cerveja no congelador, elas foram um luxo
especialmente comprado para comemorar uma boa notícia do emprego. Não tinha
como ele não conseguir aquela vaga. Ele fora recomendado por seu primo Tito que
garantira que a vaga tinha o nome dele.
Foi para o quarto pensando em tomar uma chuveirada
rápida antes de acordá-lo. A cama estava desfeita, como sempre, mas o que a fez
estancar de surpresa foi a cadeira ao canto do quarto, onde ela havia deixado a
melhor roupa de João para que ele a usasse na entrevista. Ela continuava ali exatamente
como a deixara pela manhã. Voltou rapidamente para a sala com o coração
apertado de decepção.
— João? — Chamou ainda meio atordoada. — João?
— Ele
espreguiçou-se lentamente e sentou-se ao sofá com um olhar sonolento e abrindo
seu característico sorriso meio apalermado que ela tanto amava.
— Oi Mamá. — Disse com aquela sua voz rouca e
lenta, cheia de segurança como se o mundo inteiro devesse parar e esperar para
ouvir o que ele tinha a dizer. — Já anoiteceu? Você tem percebido como o tempo
tem passado rápido ultimamente? O carnaval mal acabou e logo estaremos novamente
colocando os enfeites de natal.
— Pois é amor. — Disse ela com uma pontada de
dúvida no coração. Ele parecia tão relaxado e alegre. — Como foi sua entrevista
hoje?
— Ah, querida. Foi ótima. — Respondeu ele com
um entusiasmo tão grande na voz que a fez sentir-se muito culpada pela sua desconfiança.
— Pode começar a planejar nossa reforma, que as coisas vão melhorar por aqui.
Quem sabe até podemos fazer um quartinho para o bebê?
A centelha de esperança em seu coração virou
uma chama viva. Ele sabia o quanto ela sonhava em terem um filho. Porém aquele
pedacinho desconfiado de seu cérebro não resistiu em perguntar:
— Mas a roupa que separei para você ir continua
lá. — Disse já se sentindo meio tola, apesar de achar ter visto um lampejo de
preocupação em seus olhos.
— Mas xodozinho, você separou a minha melhor
roupa. Aquela é roupa pra casamento, pra festa chique. Não poderia ir com ela
para uma simples entrevista de emprego. Não se preocupe benzinho que tudo está
dando certo. — Falou sorrindo e piscando um olho para ela, o que fez seu
sorriso se abrir e seu coração dar pulos como sempre. Pegando o controle da televisão,
ele perguntou: — Esse cheiro é aqui? O jantar está pronto? Nem tinha percebido
como estava com fome.
Antes que ela pudesse responder o telefone
começou a tocar com aquela sua campainha estridente. Como João já voltara sua
atenção para o programa que estava passando, ela decidiu atender na cozinha e
aproveitar para levar-lhe seu jantar e quem sabe a cerveja se já estivesse
gelada. Voltou para a sala cinco minutos depois, sentindo que seu mundo tinha
desabado a seus pés.
— Adivinha quem era ao telefone? — Perguntou tentando
aparentar uma calma que não sentia.
— Humm, sei lá amor. — Respondeu meio
distraído. Mas então se voltou pra ela com aquele sorriso brincalhão na face. —
Quem sabe do show do milhão? Sempre quis participar. Tenho certeza que ganharia
uma bolada. Que acha querida? Eu então poderia lhe dar a vida de princesa que
você tanto merece.
— Você sabe que pra participar de um desses programas
você precisa se inscrever. Por acaso alguma vez você já se inscreveu? Então
como poderia ser do show do milhão. — Respondeu de mau humor, sem entrar na
brincadeira dele. — Foi o Tito. E por incrível que pareça ele estava
perguntando por que você não foi para a entrevista hoje. — Falou em um só
folego, cruzando os braços como se quisesse se proteger de sua resposta.
Após alguns segundos de silêncio, ele a puxou
para o sofá, sentou-a em seu colo e abraçando-a com uma atitude protetora,
então falou:
—Viu amor porque eu não queria lhe contar nada.
Olha como você está? Tensa. Nervosa. Detesto te ver assim. Vou lhe dizer o que
aconteceu, mas me prometa que não vai ficar triste. — Falou com aquele seu aveludado
tom de voz.
Ela não sabia mais o que pensar ou sentir. Poderia
ter esperança de que ele realmente fora a entrevista?
— Eu fui para a entrevista, mas o ônibus
quebrou e eu não consegui chegar lá na hora marcada. Mas eu te prometo que amanhã
cedo estarei ligando para o Tito e marcando uma nova entrevista. Nada está
perdido. E quer saber. Eu posso conseguir um emprego muito melhor que esse. Não
precisamos ficar mendigando nada para seu primo. Eu sei que ele nem gosta de
mim.
Desvencilhou-se de seu abraço e levantou-se decididamente
do sofá. Seu coração não mais batia descontrolado. Sentia como se ele fosse
apenas uma pedra no meio de seu peito.
— Essa foi a melhor desculpa que você conseguiu
inventar? Como você achou que eu poderia acreditar nisso? Não havia hora
marcada. Eles estavam até agora lhe esperando lá.
— Eu me perdi. — Falou ele rapidamente.
— Chega João. Pra mim chega. Eu não acredito
em mais nenhuma de suas desculpas. — Disse com firmeza. — E não vou ficar aqui
esperando você me convencer que vai mudar. Você nunca vai mudar.
Andou decididamente até a porta, pegou sua
bolsa e saiu apressadamente. Depois pegaria suas coisas. Mas não podia ficar nem
mais um minuto naquela sala. Não podia ficar nem mais um minuto ao lado dele.
João permaneceu sentado no sofá, sem conseguir
esboçar um movimento sequer. Ainda surpreso com a reação e a saída repentina dela.
Não podia deixa-la ir embora. O desespero ameaçou tomar conta de seu ser. Ela
era a mulher de sua vida! A que ele escolhera pra ser mãe de seus filhos! Tinha
que ir atrás dela. Sabia que ela o amava. É claro que ele conseguiria
reconquistá-la e fazê-la perdoá-lo.
Era exatamente isso que ele iria fazer. Exporia
o quanto a amava, depois a beijaria apaixonadamente e então voltariam e fariam
planos para o futuro. Era isso sim. Ele sairia por aquela porta e a traria de
volta! Amanhã! Porque agora ele estava muito cansado!