sábado, 7 de abril de 2012

Out of Time




Existe o tempo certo para tudo na vida. O tempo de aprender, de tentar, de inovar, de trabalhar e de descansar.

A sociedade normalmente dita as regras da vida. É comum e aceitável ver um jovem de 20 anos colocar a mochila nas costas e sair para descobrir o mundo.

Mas essa mesma sociedade condenaria uma pessoa de 40 anos que decida sair do emprego, pedir um tempo à família e ir explorar lugares desconhecidos.

Há tempo para tudo na vida. É o que dizem. Será verdade?

Uma gravidez na juventude corta o fluxo correto dos acontecimentos e é tratado com pesar como se o jovem “deixasse” de viver por isso.

A vida muda o curso sim, mas quem pode julgar se esse curso é pior, ou melhor?

Sou da opinião que, como Benjamin Button, devíamos nascer velhos. Que melhor época para nos dedicarmos aos estudos do que a chamada “melhor idade”? Seríamos filósofos, contestaríamos as crenças, reescreveríamos o mundo.

Depois poderíamos rapidamente por em prática nossos aprendizados, pois seríamos adultos cultos e no auge da vontade de trabalhar e contribuir com a sociedade.

Quando cansássemos e depois de já termos dados a nossa devida quota de contribuições, ai sim nós seríamos jovens e iríamos sair desbravando o mundo em aventuras inesquecíveis.

Por fim retornaríamos para casa, onde despreocupadamente esqueceríamos os males da humanidade e viveríamos nossos últimos anos entre bonecas e carrinhos, em nosso próprio mundo de fantasias.

Devemos deixar de ver a vida como uma linha reta e sim como diversos círculos, onde poderemos viver nossos melhores momentos diversas vezes.

Quem pode dizer qual é a hora certa de viver o que se quer viver? A hora certa é agora! A hora certa é a sua. É a que te fará feliz. Ser feliz não tem hora nem lugar definido. Não existe linha do tempo para a felicidade. O tempo será sempre agora! Seja feliz!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Despedida


113ª Edição Musical
Tema:  Foi embora, mas eu nunca disse adeus  
           (Capital Inicial - Eu Nunca Disse Adeus)

(Pauta para o Bloínquês) 



Ainda não acredito que você se foi. E assim tão de repente, sem explicações ou despedidas. Você foi embora, mas eu nunca disse adeus.


Procurei você em toda parte, acostumado que estava com sua presença em minha vida, dia-a-dia, noite-a-noite, sem se impor, apenas preenchendo meus espaços vazios.


Em meus momentos tristes foi você que sempre me consolou. Sem dizer uma palavra calava o meu choro e secava minhas lágrimas.


Como conseguirei dormir sem você ao meu lado, tocando os meus lábios com seu amor silencioso?


É difícil aceitar a sua partida. Saber que não te terei mais ao meu lado nas sombrias horas da noite ou quando a tristeza chegar de mansinho e roubar o meu sorriso.


Mas preciso crescer sem você ao meu lado. Preciso aprender a caminhar sozinho, e ao cair, a me erguer novamente.


Todos dizem que agora sou um homenzinho e não posso mais ficar com você. Adeus, minha querida chupeta, você foi embora, e eu só queria poder dizer adeus!



sábado, 31 de março de 2012

Namore uma garota que lê – Rosemary Urquico



Recebi esse texto em um grupo de leitura que participo. Achei muito bom e compartilho com vocês.



Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.


Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.



Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criador pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.

Compre para ela outra xícara de café.


Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gosta ou gostaria de ser a Alice.


É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.


É que ela tem que arriscar, de alguma forma.


Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.



Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas  garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim.  E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.

Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.

Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até  porque, durante algum tempo, são mesmo.


Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.


Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.


Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que  pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe  monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.

Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.

Texto original: Date a girl who reads – Rosemary Urquico
Tradução e adaptação – Gabriela Ventura



terça-feira, 20 de março de 2012

Caminhadas

111ª Edição Musical
Tema:  Dê um passo e venha para a luz do sol 
   (Come Out Of The Shade - The Perishers)


(Pauta para o Bloínquês) 



Ana Fisher adorava aquelas caminhadas ao ar livre. A tranquilidade do cemitério lhe trazia muita paz. Se eles soubessem que era seu lugar preferido com certeza seria internada de vez em um manicômio.

Já era considerada a estranha da família. A esquisitinha como eles a chamavam em segredo. Nas festas ficavam cochichando quando ela passava. Ela sentia os olhares a seguindo. Suas roupas largas e deselegantes não combinavam com uma "Fisher". Seus cabelos rebeldes e seu rosto corado não eram aceitáveis para uma menina. Sua voz, seus desenhos, sua introspecção, ela sentia que tudo nela incomodava aquela família.

Mas não se importava com eles. Nunca precisara agradá-los. Lembrava-se de seu pai lhe falando: "O mundo tentará lhe domar, tentará podar seus ramos até que você seja igual a todos os outros. Não permita que isso aconteça. Seja sempre você mesma e você será feliz".

Lembrava-se especialmente de um natal com toda a família reunida onde ela explicara que nos tempos antigos o sobrenome era definido pela profissão que a pessoa exercia na aldeia. Portando eles eram uma família descendente de pescadores. Adorara ver a cara de sua tia franzino o nariz como se estivesse sentindo cheiro de peixe. Sua mãe rira tanto que quase caíra da cadeira.

Como sentia falta deles. Já completara um ano desde o acidente que os levara, mas a saudade não diminuía com o tempo. Começara a caminhar pelo cemitério para visitá-los, mas agora ia apenas pela caminhada mesmo. Sentia que eles não estavam ali.

Adorava desenhar as árvores, as estátuas, o riacho que cortava o cemitério. Essas eram as melhores horas do seu dia. Longe do transito do centro da cidade, os passarinhos soltavam a voz e faziam um concerto só para seus ouvidos. Chegou ao riacho e deitou-se em sua margem com preguiça de fazer qualquer coisa. Passou seu tempo apenas fazendo redemoinhos na água e ouvindo o canto dos pássaros.

Estava quase cochilando quando ouviu um barulho nas árvores atrás dela. Levantou-se assustada e perguntou:

- Quem está ai? - Apesar do silêncio ela sabia que havia alguém ali. Ela podia sentir que estava sendo observada. Sentia o pelo do seu braço se eriçando de medo. Repetiu. - Quem está ai?

- Não precisa ter medo. Não vou lhe fazer mal. - Disse uma voz forte vinda de algum ponto a sua frente.

- Quem é você? - Perguntou ainda sentindo-se ameaçada.

- Ninguém. Um amigo. – Corrigiu rapidamente a voz desconhecida.

- Então me deixe vê-lo. Dê um passo e venha para a luz do sol. - Pediu ela vendo sua silhueta na beira da mata.

Surgiu então um rapaz alto, magro, de pele bem branca. Tinha cabelos escorridos que iam até abaixo dos ombros num tom loiro amarelado e olhos tristes que estavam voltados para o chão. Ela lembrava-se dele do colégio. Era o aluno novo. Na apresentação da coordenadora ela apenas disse que ele era novo na cidade e que estava morando com um tio. Não sabia mais nada sobre ele e não se lembrava de já o ter visto conversando com alguém.

- Oi - Falou ela para quebrar o silêncio - O que você está fazendo aqui?

- Nada - Respondeu ele com a voz um pouco trêmula e ainda encarando os próprios sapatos. Ela olhou para os seus tênis sujos tentando entender o que ele estava observando.

Nesse momento ela viu um pingo de sangue escorrer pelos dedos dele e cair junto aos seus pés.

- Está ferido? - Perguntou ela andando até ele e segurando sua mão. Ele não respondeu e ela viu um pequeno corte no braço, um pouco acima de seu pulso. - Como você se cortou? - Mas antes mesmo que ela terminasse a sua pergunta ela viu o canivete bem seguro em sua outra mão.

- Porque você se cortou? - Perguntou ela sentindo que ele precisa falar. Que ele pedia silenciosamente pela ajuda dela. Tirou o canivete de sua mão delicadamente. - Não faça isso com você. O mundo já tentará nos trazer dor demais sem que a gente faça isso também.

- Você não entende. Eu quero essa dor. Eu mereço essa dor. - Disse encarando-a com um brilho nos olhos de uma ira escondida.

- E porque você iria querer algo assim?

- Não há mais nada para mim aqui. Meus pais morreram e agora sou um empecilho na vida de meu tio. Como ele costuma dizer: Um estorno que deveria ter morrido junto com eles.

- E daí? Quem se importa com o que ele diz? O que importa é o que você sente. Você acha que seus pais estariam felizes se você tivesse morrido junto com eles?

- Você não entende. - Repetiu ele desistindo de falar e baixando os olhos novamente.

- Eu entendo que você está com raiva. Entendo que está sentindo-se traído por eles. Sente raiva deles por terem ido embora e te deixado aqui. E ao mesmo tempo sente-se culpado por sentir raiva deles.

Ele levantou os olhos e a encarou surpreso.

- Eu também perdi meus pais. Eu também senti essa raiva. - Segurou sua mão e o levou até o riacho. Abaixando-se devagar o puxou para junto e começou a lavar o corte com a água cristalina do riacho. Ele sentou-se a seu lado e ficaram em silêncio por alguns minutos. Então ele perguntou:

- Qual o seu nome?

- Ana e o seu?

- Carlos.

- Olá Carlos. – Disse simplesmente sorrindo. - Você gosta de vir aqui? Eu adoro. - Começou a tagarelar sem propósito algum e os minutos foram se passando. Quando ela percebeu já era hora de voltar para casa. Levantou-se depressa tomando um susto pelo adiantado da hora.

- Preciso ir. Já é muito tarde. - E correu em direção à saída do cemitério. Mas algo a fez parar. Voltou-se então para ele e perguntou: - Nos veremos amanhã?

Ele a encarou por um segundo e então sorriu concordando.

- Claro. Aqui nesse mesmo horário. Você gosta de música?

Ela concordou com um gesto de cabeça e ele sorriu já imerso em seus próprios pensamentos.

E nessa noite ela rezou por aquele garoto tímido, pedindo que no outro dia ele estivesse lá esperando por ela.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Tempestade



110ª Edição Conto/História
Tema: Todos queriam saber mais sobre quem era o(a) novo(a) vizinho(a).

(Pauta para o Bloínquês)

Apesar da chuva infernal que caia lá fora, era uma noite comum, sem nada de extraordinário. Ela já se habituara a rotina daquela comunidade. Chegara ali há seis meses e fora muito bem recebida. Viera para ocupar a cargo de enfermeira, o que era muito bom. Não que se incomodasse com outros trabalhos, mas como enfermeira podia participar mais do dia-a-dia da casa grande.

Também tinha algumas mordomias adicionais como um bangalô só para ela, um horário de trabalho flexível e convites para jantar todas as noites no salão com os hospedes.

Eles eram tão amáveis e divertidos. A maioria era composta por alegres senhoras, viúvas ou solteiras, que procuravam espantar a solidão passando grandes períodos do ano em locais como aquele. Existiam alguns senhores também, mas poucos, o que tornava a atenção deles algo bem disputado.

Elas batalhavam pela presença deles em suas mesas na hora do jantar, ou tentavam atrair sua atenção nos passatempos que inventavam todas as noites.

Devido ao horrível tempo que há dias castigava as janelas e fazia o telhado gemer de forma arrepiante, a Sr.ª Grimm sugeriu um concurso de contos de terror para aquela noite. Ela mesma iniciou lendo um macabro conto do mestre do suspense. Para criar um clima mais sombrio, as luzes foram apagadas e apenas a lareira e algumas velas iluminavam o salão.

Era divertido ver as senhoras dando gritinhos de assombro e depois várias risadinhas debochando umas das outras. Os senhores não se manifestavam, mas estavam concentrados ouvindo a convincente narração da velha dama.

A tempestade havia piorado ainda mais, se isso fosse possível. Estavam bastantes concentrados em uma parte especialmente arrepiante do conto quando um grande relâmpago clareou toda a sala e fortes batidas foram ouvidas na porta principal assustando a todos os presentes. Logo, porém, ouviram-se as risadinhas das senhoras e alguns pigarros dos senhores que tentavam disfarçar o sobressalto.

Como ela estava em pé junto à janela fora a primeira a avistá-lo. Era um senhor alto, de constituição atlética, com belos cabelos grisalhos. Segurava uma valise de mão e ao seu lado havia uma elegante mala preta com fechos dourados. Ele usava um sobretudo preto encharcado pela tempestade.

Nesse momento a Sr.ª Kelly, responsável pela recepção de novos hóspedes, se dirigiu ao salão de entrada. Havia um alvoroço na sala, o livro de contos esquecido em cima da pequena mesa lateral. Chegando perto da entrada, a Sr.ª Grimm fez um sinal pedindo silêncio para que pudessem escutar o que estava acontecendo na antessala.

A única coisa que conseguiram ouvir era que ele se chamava Sr. Collins e que viera para ficar por tempo indeterminado. A Sr.ª Kelly entregou a ele a chave da casa número 15 e vendo os frenéticos sinais da Sr.ª Grimm convidou-o para se aquecer um pouco no grande salão e tomar uma xícara de chá com os outros moradores. O silêncio com que se aguardou a sua resposta era impressionante. Todos queriam saber mais sobre quem era o novo vizinho.

Ao som de concordância do Sr. Collins todos correram para seus lugares habituais e a Sr.ª Grimm voltou a segurar seu livro com uma posse imponente.

A Sr.ª Kelly apresentou-o apenas como Sr. Collins, sem nenhuma informação adicional que saciasse a curiosidade dos demais. Depois começou a apresentá-lo a cada morador individualmente os quais ele cumprimentava com grande cortesia fazendo belos elogios as mulheres e respondendo com comentários perspicazes as indagações dos senhores.

Não que ela precisasse de qualquer apresentação para saber quem ele era. Vinha procurando-o há quase dois anos. Escolhera aquele lugar porque sabia que se encaixava no perfil dele. Esperara por seis meses, mas agora ele estava ali. Na mesma sala que ela, sorrindo e tagarelando com os hóspedes.

Seu coração parecia ter ganhado vida. Ela não se sentia assim há muito tempo. Desde que saíra do departamento de polícia. Desde que seu avô fora assassinado. Ela jurara em seu funeral que iria encontrar o golpista que o matara. E agora ele estava ali, se dirigindo para ela com um lindo sorriso no rosto e uma mão estendida para cumprimentá-la.

 – Mas que linda enfermeira. Assim não tem como todos os senhores não passarem mal. Já começo a sentir palpitações no peito. – Ele falou sorrindo e beijando-lhe a mão.

Ela não falou nada, apenas sorriu agradecendo o elogio e logo ele estava sendo levado novamente para o centro da sala.

Agora era apenas uma questão de tempo e paciência. Ela tinha instalado câmeras de segurança em frente a todos os chalés e em todos os salões da casa grande. Ela sabia como ele agia. Amanhã iria contatar a polícia local e deixar todos de sobreaviso.

Afinal a noite tivera seu toque de surpresa. Olhando pela janela viu que a tempestade abrandara e uma lua tímida surgira no céu. Trazia a esperança de que o tempo amanheceria melhor. Trazia a esperança de que agora ela poderia recomeçar a viver.

terça-feira, 13 de março de 2012

Carona



Tema: Quando conheci você...
 (Pauta para o Bloínquês)




Quando conheci você eu não sabia o quando minha vida iria mudar. Quase não te dei atenção. Se eu não tivesse parado o carro e te oferecido uma carona será que nunca iríamos nos tornar amigos? Amantes? Companheiros?

Quando conheci você eu não achava que poderia rir da mesma piada contada mais de dez vezes só pra fazer alguém feliz. Nem acreditava que alguma pessoa conseguiria domar o monstrinho que habitava dentro de mim.

Quando conheci você eu acreditava que nunca iria amar de novo. Eu não sabia que o amor pode nos encontrar por mais que nos escondemos. E que ele vem camuflado de várias formas.

Quando conheci você eu nem sonhava que minha filha poderia ter um segundo pai. Nem que você pudesse conquistar aquele pequenino ser escondido nas barras de minha calça. Ou que você poderia amá-la tanto que seria capaz de abdicar de sua própria felicidade pela felicidade dela.

Quando conheci você eu nem imaginava que ao meu lado estava um companheiro que me seguiria para qualquer lugar que eu fosse. E que sempre estaria ao meu lado, apoiando minhas decisões, me amparando nos momentos difíceis e me fazendo sorrir quando gostaria de chorar.

Quando conheci você eu esperava muito da vida, mas não esperava o quanto a vida com você poderia ser imensamente feliz.

Quando conheci você eu te ofereci uma carona. Obrigado por ter entrado naquele carro, por ter entrado em minha vida e por ter mudado o meu mundo.

 Ao meu marido que é a luz guia de minha vida.



terça-feira, 6 de março de 2012

Insônia



(Pauta para o Bloínquês)



Não conseguia dormir. Fora assim a sua vida toda. Quando algo o preocupava, o sono logo ia embora. Ficava pensando e pensado e só conseguia dormir de exaustão.

O luar entrava pela janela do quarto e deixava tudo iluminado com aquela sua cor branca que caracterizava seus momentos de angústia. Porque as coisas eram tão difíceis em sua vida? Será que era ele mesmo que tornava tudo mais difícil?

Olhou para Cris dormindo sossegada ao seu lado. Tentava não se mexer muito para não acordá-la. A última coisa que queria era falar com alguém. Esses momentos eram dele. Apenas dele.

Olhou-a novamente dormindo e ficou um pouco irritado. Era tudo por causa dela. Amanhã ele estaria esgotado, iria trabalhar feito um zumbi e passaria o dia todo de mal humor. Enquanto ela estaria renovada, com sua beleza encantando a todos que a rodeavam!

Sentiu logo a pontada de ciúmes que sempre vinha quando pensava nisso. Sua bela Cris sorrindo para outro rapaz, conversando animadamente com seu jeito espontâneo e alegre, demonstrando a afeição e o carinho com que tratava  a todos. Como não poderia haver legiões de apaixonados por ela? Como poderia esquecer aquele bilhete que ela recebera mês passado? Como poderia achar tudo aquilo uma bobagem?

Virou-se bruscamente na cama o que fez com que ela mudasse de posição, mas, para seu alívio, continuasse dormindo. Levantou-se lentamente e seu olhar caiu sobre a colcha dobrada aos pés da cama. Estava frio. Pegou a colcha e o travesseiro e foi para a sala. Precisava pensar.

Aconchegou-se no sofá, mas seus primeiros pensamentos não foram diretamente para Cris e sim para sua mãe. Como as duas eram parecidas. Ambas possuíam feições delicadas, eram amorosas e sorriam sem precisar de qualquer motivo.

Na verdade não tinha muitas lembranças da mãe, apenas aquelas que seu pai cultivara. Eles tiveram um divorcio conturbado. Com apenas seis anos de idade ele vira sua mãe partir para nunca mais voltar.

Seu pai sempre acreditara que ela voltaria. E essa esperança fez com que ele fosse se apagando aos poucos. Deixando de ser aquele homem forte que tanto o orgulhava, e transformando-o naquele ser sem vida que andava pela casa como se estivesse em outro mundo, ou em outra época.

Por isso desde muito cedo decidira não se casar. Nunca seria como seu pai. Isso nunca aconteceria com ele. Mas agora estava ali. Naquela situação.

 – Querido, está tudo bem? – Cris perguntou assustando-o um pouco com sua aparição silenciosa. – Senti sua falta na cama.

Ela o fitava com olhos sonolentos e uma rusga de preocupação na testa. Era agora ou nunca. Precisava falar com ela. Não poderia continuar assim. Tinha que tomar uma atitude. Tinha que tomar a direção de sua vida.

Levantou-se do sofá, caminhou em sua direção e tomou suas mãos apertando-as com um pouco de nervosismo . Como estavam frias. Em um súbito ato de inspiração ajoelhou-se em sua frente. Achando-se terrivelmente bobo falou com uma voz trêmula que nem ele reconheceu:

 – Cris, quer se casar comigo?  – Ele não sabia se ela tremia de frio ou de surpresa. Mas após alguns segundos, que lhes pareceram horas, ela finalmente falou.

 – Mas Beto, você não quer se casar. Você deixou isso bem claro quando começamos a namorar. Não precisa fazer isso. Eu não exijo nada de você. Eu entendo sua decisão e respeito isso. Eu sei o que aconteceu com o casamento de seus pais.

 – Mas estou fazendo isso por mim também. Preciso viver a minha vida e não a de meus pais. O que aconteceu com eles não vai necessariamente acontecer conosco. Se eu não fizer isso agora, terei essa dúvida para sempre. Como seria estar casado com você? Como seriam nossos filhos? Eu te amo Cris e sinto que preciso crescer como pessoa para ser merecedor do seu amor. Quero deixar minha insegurança e meus fantasmas para trás.

As lagrimas desciam pelo rosto dela e a única coisa que indicava que eram de felicidade era pelo sorriso que as acompanhavam.

 – E então? Estou esperando sua resposta. Mas se apresse, pois parece que estou ajoelhado numa barra de gelo. Assim você terminara casando com estátua congelada! – Disse sorrindo e piscando para ela.

 – Sim! Sim! É claro que eu quero me casar com você! – Respondeu ela chorando e sorrindo ainda mais.

Ele levantou-se e carregou-a de volta para o quarto. A felicidade fazendo-o sentir que poderia conquistar o mundo. Que poderia fazer qualquer coisa que quisesse. Sentindo-se como nunca havia se sentindo antes. Sentindo-se finalmente completo.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Pecados Capitais – Preguiça





O ônibus era insuportavelmente cheio àquela hora, mas agora faltava pouco para chegar em casa. Seus pés estavam latejando por passar tantas horas em pé entregando folhetos. Mas precisavam daquela renda extra. O dinheiro vinha sendo um grande problema desde que João, seu marido, perdera o emprego.

Madalena tentou mudar de posição, pois seus braços estavam dormentes com o peso das sacolas do mercado, mas o ônibus estava muito cheio para isso. Finalmente chegou o seu ponto, mais 15 minutos de caminhada e estaria em casa.

A primeira coisa que notou ao entrar em casa foi João dormindo a sono solto no sofá. Não que isso lhe causasse surpresa. Desde que ele saíra do emprego passava seus dias entre a cama e o sofá. Mas hoje ele tinha uma entrevia para um emprego e ela estava doida para saber como fora. Decidiu deixa-lo dormir mais um pouco enquanto arrumava as compras na cozinha.

Ao terminar de colocar no armário as poucas compras que o dinheiro que tinha recebido permitira comprar, aproveitou para preparar rapidamente o jantar. Colocou algumas latinhas de cerveja no congelador, elas foram um luxo especialmente comprado para comemorar uma boa notícia do emprego. Não tinha como ele não conseguir aquela vaga. Ele fora recomendado por seu primo Tito que garantira que a vaga tinha o nome dele.

Foi para o quarto pensando em tomar uma chuveirada rápida antes de acordá-lo. A cama estava desfeita, como sempre, mas o que a fez estancar de surpresa foi a cadeira ao canto do quarto, onde ela havia deixado a melhor roupa de João para que ele a usasse na entrevista. Ela continuava ali exatamente como a deixara pela manhã. Voltou rapidamente para a sala com o coração apertado de decepção.

— João? — Chamou ainda meio atordoada. — João? — Ele espreguiçou-se lentamente e sentou-se ao sofá com um olhar sonolento e abrindo seu característico sorriso meio apalermado que ela tanto amava.

— Oi Mamá. — Disse com aquela sua voz rouca e lenta, cheia de segurança como se o mundo inteiro devesse parar e esperar para ouvir o que ele tinha a dizer. — Já anoiteceu? Você tem percebido como o tempo tem passado rápido ultimamente? O carnaval mal acabou e logo estaremos novamente colocando os enfeites de natal.

— Pois é amor. — Disse ela com uma pontada de dúvida no coração. Ele parecia tão relaxado e alegre. — Como foi sua entrevista hoje?

— Ah, querida. Foi ótima. — Respondeu ele com um entusiasmo tão grande na voz que a fez sentir-se muito culpada pela sua desconfiança. — Pode começar a planejar nossa reforma, que as coisas vão melhorar por aqui. Quem sabe até podemos fazer um quartinho para o bebê?

A centelha de esperança em seu coração virou uma chama viva. Ele sabia o quanto ela sonhava em terem um filho. Porém aquele pedacinho desconfiado de seu cérebro não resistiu em perguntar:

— Mas a roupa que separei para você ir continua lá. — Disse já se sentindo meio tola, apesar de achar ter visto um lampejo de preocupação em seus olhos.

— Mas xodozinho, você separou a minha melhor roupa. Aquela é roupa pra casamento, pra festa chique. Não poderia ir com ela para uma simples entrevista de emprego. Não se preocupe benzinho que tudo está dando certo. — Falou sorrindo e piscando um olho para ela, o que fez seu sorriso se abrir e seu coração dar pulos como sempre. Pegando o controle da televisão, ele perguntou: — Esse cheiro é aqui? O jantar está pronto? Nem tinha percebido como estava com fome.

Antes que ela pudesse responder o telefone começou a tocar com aquela sua campainha estridente. Como João já voltara sua atenção para o programa que estava passando, ela decidiu atender na cozinha e aproveitar para levar-lhe seu jantar e quem sabe a cerveja se já estivesse gelada. Voltou para a sala cinco minutos depois, sentindo que seu mundo tinha desabado a seus pés.

— Adivinha quem era ao telefone? — Perguntou tentando aparentar uma calma que não sentia.

— Humm, sei lá amor. — Respondeu meio distraído. Mas então se voltou pra ela com aquele sorriso brincalhão na face. — Quem sabe do show do milhão? Sempre quis participar. Tenho certeza que ganharia uma bolada. Que acha querida? Eu então poderia lhe dar a vida de princesa que você tanto merece.

— Você sabe que pra participar de um desses programas você precisa se inscrever. Por acaso alguma vez você já se inscreveu? Então como poderia ser do show do milhão. — Respondeu de mau humor, sem entrar na brincadeira dele. — Foi o Tito. E por incrível que pareça ele estava perguntando por que você não foi para a entrevista hoje. — Falou em um só folego, cruzando os braços como se quisesse se proteger de sua resposta.

Após alguns segundos de silêncio, ele a puxou para o sofá, sentou-a em seu colo e abraçando-a com uma atitude protetora, então falou:

—Viu amor porque eu não queria lhe contar nada. Olha como você está? Tensa. Nervosa. Detesto te ver assim. Vou lhe dizer o que aconteceu, mas me prometa que não vai ficar triste. — Falou com aquele seu aveludado tom de voz.

Ela não sabia mais o que pensar ou sentir. Poderia ter esperança de que ele realmente fora a entrevista?

— Eu fui para a entrevista, mas o ônibus quebrou e eu não consegui chegar lá na hora marcada. Mas eu te prometo que amanhã cedo estarei ligando para o Tito e marcando uma nova entrevista. Nada está perdido. E quer saber. Eu posso conseguir um emprego muito melhor que esse. Não precisamos ficar mendigando nada para seu primo. Eu sei que ele nem gosta de mim.

Desvencilhou-se de seu abraço e levantou-se decididamente do sofá. Seu coração não mais batia descontrolado. Sentia como se ele fosse apenas uma pedra no meio de seu peito.

— Essa foi a melhor desculpa que você conseguiu inventar? Como você achou que eu poderia acreditar nisso? Não havia hora marcada. Eles estavam até agora lhe esperando lá.

— Eu me perdi. — Falou ele rapidamente.

— Chega João. Pra mim chega. Eu não acredito em mais nenhuma de suas desculpas. — Disse com firmeza. — E não vou ficar aqui esperando você me convencer que vai mudar. Você nunca vai mudar.

Andou decididamente até a porta, pegou sua bolsa e saiu apressadamente. Depois pegaria suas coisas. Mas não podia ficar nem mais um minuto naquela sala. Não podia ficar nem mais um minuto ao lado dele.

João permaneceu sentado no sofá, sem conseguir esboçar um movimento sequer. Ainda surpreso com a reação e a saída repentina dela. Não podia deixa-la ir embora. O desespero ameaçou tomar conta de seu ser. Ela era a mulher de sua vida! A que ele escolhera pra ser mãe de seus filhos! Tinha que ir atrás dela. Sabia que ela o amava. É claro que ele conseguiria reconquistá-la e fazê-la perdoá-lo.

Era exatamente isso que ele iria fazer. Exporia o quanto a amava, depois a beijaria apaixonadamente e então voltariam e fariam planos para o futuro. Era isso sim. Ele sairia por aquela porta e a traria de volta! Amanhã! Porque agora ele estava muito cansado!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A espera de uma vida

(Pauta para o Bloinquês)


Voltar para Paris definitivamente não tinha sido a melhor de suas ideias. Sentia-se como Sabrina, fugindo para esconder um coração partido. Entretanto a Paris linda, alegre e cheia de vida de que se lembrava não estava mais lá. A realidade mostrava uma cidade triste e chuvosa, apenas uma imagem em preto e branco.

Passava seus dias em caminhadas pelas margens do Sena, ou sentada em pequenos cafés espremidos nas calçadas das estreitas e antigas ruas da cidade. Precisava decidir o que iria fazer da vida. Estava em um daqueles únicos momentos em que tudo está suspenso, em que se pode tomar qualquer caminho. O problema era que não sabia que caminho devia tomar.

Desde que Alex se fora, levara com ele tudo que lhe era mais precioso. Seu coração, sua alegria de viver, sua paixão pela música. Não conseguia nem mais olhar para o violino. Trouxera-o consigo por força do hábito, mas ele ficava encostado a um canto do quarto apenas juntando poeira.

Conhecera Alex na faculdade. Ele estava fazendo direito, mas decidira fazer um curso de teatro para melhorar sua postura e dicção. É claro que ele sempre brincava dizendo que para se tornar um bom advogado o teatro era essencial e deveria ser matéria obrigatória na grade curricular. Eram tão felizes, tão jovens e despreocupados.

Casaram-se apenas dois meses após a sua formatura. Em seu discurso ele dissera que amava sua música, que quando ela tocava o mundo ficava mais bonito. Também falou de seu sorriso, de sua alegria e de seu entusiasmo, em como o mundo se iluminava todas as vezes que ele a olhava. Nunca se sentira tão amada e especial como naquele momento.

Passaram a lua de mel em Paris. Fora um sonho, simplesmente perfeito. A primeira vez em que viram o Sena era fim de tarde e a luz do sol espalhava aquela cor amarelada em tudo que tocava. Havia um músico tocando “La Vie En Rose” em um velho sax e ela não resistira e pegara seu violino para acompanhá-lo. Enquanto isso Alex apanhou o chapéu do saxofonista e começou a passá-lo pelas pessoas que se juntavam para ouvi-los tocar, agradecendo espalhafatosamente sempre que ganhava uma moeda.

Lembrar-se desses momentos agora era insuportavelmente doloroso. Realmente não deveria ter vindo para Paris. Como poderia curar-se daquela dor se a alimentava em cada esquina por onde passava? Como poderia começar uma nova vida, se a passada ainda era tão recente, tão viva em seu coração?

Hoje fazia exatamente um mês desde que ele fora arrancado tão precipitadamente de sua vida. Ele saíra para comprar uma pizza e um pneu estourado, um carro capotado, acabara com seus dias felizes. E agora não sabia o que fazer. Não sabia nem como respirar. Tudo era tão sem sentido.

Enxugou uma única lagrima que teimava em descer por seu rosto. Ainda deveria ficar em Paris por mais alguns dias, mas quando voltasse começaria a procurar um novo emprego. Talvez até mudasse de cidade. O melhor seria apagar tudo de sua antiga vida e começar uma nova. Segurou entre as mãos o pequeno pingente da corrente, primeiro presente que recebera de Alex, e retirou-a lentamente do pescoço. Olhou-a com carinho e deixou-a em cima da mesa, em um sinal de despedida. Levantou-se rapidamente, antes que mudasse de ideia, e deu um passo para deixar o bistrô.

Ela não saberia dizer se fora o movimento rápido ao levantar-se da cadeira ou a falta de uma alimentação regular nos últimos dias que a fizeram ficar tonta. Mas antes que pudesse fazer qualquer outro movimento, tudo escureceu e ela sentiu que o chão não estava mais sob seus pés.

Acordou em uma cama de hospital, sentindo-se cansada e ainda um pouco atordoada. Era só o que faltava: ficar doente em Paris! Nesse momento entrou um médico alto e calvo e começou a falar palavras totalmente incompreensíveis. Seu francês era inútil naquela situação. Só sabia o básico para um turista se virar bem sozinho.

Percebendo que ela não compreendia saiu do quarto e deixou-a novamente sozinha, mas por poucos minutos. Voltou com um jovem médico moreno que lhe perguntou se falava inglês. Fez um gesto que indicava que compreendia um pouco sim, o que o deixou aliviado. Ele informou que fizeram alguns exames de sangue e que ela não tinha nada de grave, apenas um pouco de desnutrição. Que seria necessário que ela tomasse algumas vitaminas e evitasse atividades físicas exaustivas, principalmente devido à condição em que ela estava.

Aquelas palavras fizeram seu coração disparar. Seus olhos arregalados disseram ao jovem médico que ela não sabia de que condição ele estava falando. Ele então a informou que ela estava entre oito e dez semanas de gravidez e saiu do quarto dizendo que chamaria um obstetra para conversar com ela.

Não podia ser verdade. Ela realmente estaria grávida? Sua mente não conseguia acreditar nisso, mas seu coração já estava ganhando vida novamente, batendo como louco dentro de seu peito. As lagrimas que ela achou que tinham secado voltaram a correr por seu rosto. Olhou para o lado e para seu completo espanto, na mesinha ao lado da cama estava o seu colar com o pingente especial. Pegou-o na mão, rindo de felicidade entre as lagrimas que desciam.

Um pedaço daquele amor estava vivo e estaria sempre com ela. Achara a nova vida que estava procurando, só não sabia que seria literalmente uma nova vida dentro dela. Abraçou a barriga e começou a cantarolar uma melodia de ninar, já desejando que seu violino estivesse ali com ela.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Pecados Capitais – Ira



Ela não sabia o que alimentava aquele fogo, só que ele nunca se extinguia. Era um fogo que ardia constantemente, dia após dias, hora após hora, consumindo todo e qualquer sentimento que tentasse nascer em seu coração.

Aquela raiva sem explicações, sem motivos ou justificativas já era sua companheira há alguns meses. Ela a afastara do convívio de todos e a tinha só para si, mantendo-a prisioneira naquele cativeiro sempre em ebulição.

Já não saia de casa. Às vezes ficava dias sem dizer uma só palavra, ou sem ouvir qualquer som, apenas sentindo aquele fogo arder. Mas de alguma forma ela gostava disso.

Mas hoje era um daqueles dias em que ela teria que sair de casa. Falar com as pessoas. Sorrir! Não, sorrir era um pouco demais. Principalmente naquela data, quando o fogo ganhava forças e tomava conta de tudo.

Apesar da resistência que seu corpo fazia, forçou-se a vestir um jeans já muito largo e uma camiseta bem amassada. Colocou seus documentos no bolso da calça, pegou a chave de casa e saiu rapidamente, antes que a resistência vencesse aquela batalha.

 Abaixou a cabeça com medo de cruzar os olhos com alguém pelo caminho e dirigiu-se apressadamente ao banco. Fez tudo no automático, como fazia todos os meses. Só que dessa vez ao tentar realizar a retirada de sempre o terminal deu a seguinte mensagem: "Saldo insuficiente". Como isso poderia ocorrer? Ela tinha uma boa poupança que somada a rescisão que recebera ao sair do trabalho daria para viver confortavelmente por vários meses.

 Com a raiva já aflorando em seu rosto, dirigiu-se ao jovem gerente do banco que sorria feito um imbecil apalermado. Isso não poderia estar certo. Questionou-o sobre seu saldo.

"Senhora, não há erro" Respondeu ele após alguns instantes consultando o histórico de sua conta. "Além das retiradas mensais, há os pagamentos mensais do aluguel e das contas de água, luz e internet. O dinheiro acabou" Disse ele simplesmente como se fosse apenas uma conta de matemática que ela tinha errado.

Ela sentiu ímpetos de levantar-se e esmurrá-lo até ver o sangue espirrar de seu nariz. Mas o seu lado prático e racional, em um pequeno suspiro de vida, perguntou entre dentes: "O aluguel desse mês foi pago?" O jovem gerente já sentindo o perigo no ar, consultou rapidamente o computador e respondeu receosamente: "Não, o agendamento do pagamento foi cancelado por falta de fundos."

Contendo a ânsia de pular em seu pescoço, levantou-se ruidosamente da cadeira e saiu apressadamente do banco, mas não sem antes passar no caixa eletrônico e sacar o restante do saldo que tinha em conta.

Dirigiu-se em passos rápidos ao mercado que ficava na esquina da rua, pensando no que cortaria de sua já pequena lista de compras. Consegui descontar um pouco de sua raiva e frustração na repositora de produtos que era nova no serviço e cruzou inadvertidamente o seu caminho. 

Mas foi já na fila do caixa que se viu hipnotizada por uma grande faca de cozinha, com um fino fio de corte e um bonito cabo preto. A faca que parecia ser bem amolada e de boa qualidade também era bastante cara. O mesmo preço do único pedaço de carne que estava comprando. Não levou um segundo para se decidir. Comprou a faca.

Ao sair do mercado levava apenas duas sacolas de compras, uma em cada braço. Parou na esquina esperando o sinal fechar para atravessar a rua, quando a sacola de papel que estava em seu braço esquerdo se rompeu, jogando ao chão todo o seu conteúdo.

Fechou os olhos sentindo o fogo avivar com toda a intensidade que ele podia alcançar. Nesse momento ouviu as ensurdecedoras badaladas do sino da igreja as suas costas.

 Voltou-se lentamente abrindo os olhos vermelhos de ódio e viu os gigantescos portões da igreja como se fossem uma grande boca escancarada gargalhando dela debochadamente.

 Não pensou em mais nada. Apenas seguiu seu ódio e entrou na silenciosa igreja, agora que os sinos calaram-se. Seguiu diretamente em direção do altar, sentando-se na primeira fileira de bancos sem desviar por um minuto os olhos acusadores da grande cruz com seu Cristo de braços abertos.

Quis falar em voz alta, mas não conseguiu proferir as palavras. Então deixou seu ódio falar por ela, vindo diretamente do coração em chamas:

"Então você acha isso muito engraçado! É hilariante de fato." Começou discursando silenciosamente. "O que você quer provar? O que quer de mim?" Gritou em silêncio.

Com os olhos flamejantes de tanta dor e fúria continuou encarando aquela estátua muda "Você tirou de mim tudo que era importante. Deixou-me órfã e agora o que você quer? Quer acabar com tudo? Acabar com o que resta de mim?”.

Com essas palavras presas em sua garganta, baixou a cabeça levemente sentindo as lagrimas rolarem por ser rosto. Então percebeu que ainda segurava a sacola de mercado no braço esquerdo, e que se destacando em cima dos outros itens estava a faca que a hipnotizara tanto antes.

Deixou o pacote ao chão, retirou a faca de sua embalagem e passou o dedo levemente sentindo sua lâmina afiada. Com o coração ainda em chamas, fechou os olhos e colou a lâmina ao peito, sentindo o frio contato do metal por sobre o fino tecido da blusa que usava.

Por fim, após alguns angustiantes minutos abriu os olhos fervilhantes de dor, encarou a imagem na cruz e disse em alto e bom som:

"E agora? O que você vai fazer? Vai morrer novamente para me salvar?" Disse num tom agressivo de sarcasmo.

Assim que terminou de falar ouviu um forte ruído da grande porta da igreja se chocando com violência. Olhou para trás e viu um rapaz, que não deveria ter mais do que uns 20 anos, correndo em direção ao altar.

Ela somente percebeu que ele estava armado no momento em que ele levantou o braço direito e deu dois tiros para o alto, gritando para todos saírem da igreja se não quisessem receber o próximo tiro.

A igreja, que já estava bem vazia naquela hora do dia, ficou completamente deserta, restando apenas ela olhando-o se aproximar do altar sem esboçar nenhuma emoção que fosse. Nem medo, nem aflição, nem mesmo a ira que tanto a alimentara em todos aqueles meses.

O rapaz parou em frente a ela e a encarou com aquele olhar de ódio que ela conhecia tão bem.  Não disse nem uma palavra sequer, apenas levantou a arma e encostou-a em sua testa. Nesse momento os olhos dele se fixaram na faca esquecida entre seus seios. Então em seus olhos surgiu um brilho de compreensão e lentamente ele engatilhou a arma e começou a puxar levemente o gatilho.

Naquele exato momento, quebrando o silêncio do momento, os sinos da igreja voltaram a soar, surpreendendo-os.

Para sua completa surpresa aquele jovem desesperado apenas olhou-a bem dentro dos olhos e sem pronunciar nenhuma palavra, virou o corpo para o altar e deu dois tiros em direção da cruz e um terceiro na própria cabeça, deslizando em câmera lenta para o chão em meio ao sangue que já começava a inundar tudo ao seu redor.

Ainda em estado de choque ela saiu de trás do banco e dirigiu-se para o altar, onde a cruz encontrava-se estatelada ao chão, imóvel com seu Cristo estendido.

Ajoelhou-se ao lado da imagem e percebeu que ainda estava com a faca na mão. Olhou para Ele ali a encarando de braços abertos, pronto para recebê-la e sentiu pela primeira vez depois de muito tempo, que o fogo tinha se apagado.

Deixou a faca cair ao lado do corpo e abraçou aquela imagem, chorando e sentindo que também estava sendo abraçada e reconfortada. Percebeu nesse momento que estava novamente segura, que estava em casa.

O desespero se fora, a fúria daquele incêndio finalmente se exaurira. Agora ela poderia sentir novamente. Poderia chorar e rir. Poderia seguir em frente e construir uma nova vida e ter uma nova chance de felicidade.