sábado, 31 de março de 2012

Namore uma garota que lê – Rosemary Urquico



Recebi esse texto em um grupo de leitura que participo. Achei muito bom e compartilho com vocês.



Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.


Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.



Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criador pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.

Compre para ela outra xícara de café.


Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gosta ou gostaria de ser a Alice.


É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.


É que ela tem que arriscar, de alguma forma.


Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.



Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas  garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim.  E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.

Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.

Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até  porque, durante algum tempo, são mesmo.


Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.


Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.


Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que  pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe  monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.

Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.

Texto original: Date a girl who reads – Rosemary Urquico
Tradução e adaptação – Gabriela Ventura



terça-feira, 20 de março de 2012

Caminhadas

111ª Edição Musical
Tema:  Dê um passo e venha para a luz do sol 
   (Come Out Of The Shade - The Perishers)


(Pauta para o Bloínquês) 



Ana Fisher adorava aquelas caminhadas ao ar livre. A tranquilidade do cemitério lhe trazia muita paz. Se eles soubessem que era seu lugar preferido com certeza seria internada de vez em um manicômio.

Já era considerada a estranha da família. A esquisitinha como eles a chamavam em segredo. Nas festas ficavam cochichando quando ela passava. Ela sentia os olhares a seguindo. Suas roupas largas e deselegantes não combinavam com uma "Fisher". Seus cabelos rebeldes e seu rosto corado não eram aceitáveis para uma menina. Sua voz, seus desenhos, sua introspecção, ela sentia que tudo nela incomodava aquela família.

Mas não se importava com eles. Nunca precisara agradá-los. Lembrava-se de seu pai lhe falando: "O mundo tentará lhe domar, tentará podar seus ramos até que você seja igual a todos os outros. Não permita que isso aconteça. Seja sempre você mesma e você será feliz".

Lembrava-se especialmente de um natal com toda a família reunida onde ela explicara que nos tempos antigos o sobrenome era definido pela profissão que a pessoa exercia na aldeia. Portando eles eram uma família descendente de pescadores. Adorara ver a cara de sua tia franzino o nariz como se estivesse sentindo cheiro de peixe. Sua mãe rira tanto que quase caíra da cadeira.

Como sentia falta deles. Já completara um ano desde o acidente que os levara, mas a saudade não diminuía com o tempo. Começara a caminhar pelo cemitério para visitá-los, mas agora ia apenas pela caminhada mesmo. Sentia que eles não estavam ali.

Adorava desenhar as árvores, as estátuas, o riacho que cortava o cemitério. Essas eram as melhores horas do seu dia. Longe do transito do centro da cidade, os passarinhos soltavam a voz e faziam um concerto só para seus ouvidos. Chegou ao riacho e deitou-se em sua margem com preguiça de fazer qualquer coisa. Passou seu tempo apenas fazendo redemoinhos na água e ouvindo o canto dos pássaros.

Estava quase cochilando quando ouviu um barulho nas árvores atrás dela. Levantou-se assustada e perguntou:

- Quem está ai? - Apesar do silêncio ela sabia que havia alguém ali. Ela podia sentir que estava sendo observada. Sentia o pelo do seu braço se eriçando de medo. Repetiu. - Quem está ai?

- Não precisa ter medo. Não vou lhe fazer mal. - Disse uma voz forte vinda de algum ponto a sua frente.

- Quem é você? - Perguntou ainda sentindo-se ameaçada.

- Ninguém. Um amigo. – Corrigiu rapidamente a voz desconhecida.

- Então me deixe vê-lo. Dê um passo e venha para a luz do sol. - Pediu ela vendo sua silhueta na beira da mata.

Surgiu então um rapaz alto, magro, de pele bem branca. Tinha cabelos escorridos que iam até abaixo dos ombros num tom loiro amarelado e olhos tristes que estavam voltados para o chão. Ela lembrava-se dele do colégio. Era o aluno novo. Na apresentação da coordenadora ela apenas disse que ele era novo na cidade e que estava morando com um tio. Não sabia mais nada sobre ele e não se lembrava de já o ter visto conversando com alguém.

- Oi - Falou ela para quebrar o silêncio - O que você está fazendo aqui?

- Nada - Respondeu ele com a voz um pouco trêmula e ainda encarando os próprios sapatos. Ela olhou para os seus tênis sujos tentando entender o que ele estava observando.

Nesse momento ela viu um pingo de sangue escorrer pelos dedos dele e cair junto aos seus pés.

- Está ferido? - Perguntou ela andando até ele e segurando sua mão. Ele não respondeu e ela viu um pequeno corte no braço, um pouco acima de seu pulso. - Como você se cortou? - Mas antes mesmo que ela terminasse a sua pergunta ela viu o canivete bem seguro em sua outra mão.

- Porque você se cortou? - Perguntou ela sentindo que ele precisa falar. Que ele pedia silenciosamente pela ajuda dela. Tirou o canivete de sua mão delicadamente. - Não faça isso com você. O mundo já tentará nos trazer dor demais sem que a gente faça isso também.

- Você não entende. Eu quero essa dor. Eu mereço essa dor. - Disse encarando-a com um brilho nos olhos de uma ira escondida.

- E porque você iria querer algo assim?

- Não há mais nada para mim aqui. Meus pais morreram e agora sou um empecilho na vida de meu tio. Como ele costuma dizer: Um estorno que deveria ter morrido junto com eles.

- E daí? Quem se importa com o que ele diz? O que importa é o que você sente. Você acha que seus pais estariam felizes se você tivesse morrido junto com eles?

- Você não entende. - Repetiu ele desistindo de falar e baixando os olhos novamente.

- Eu entendo que você está com raiva. Entendo que está sentindo-se traído por eles. Sente raiva deles por terem ido embora e te deixado aqui. E ao mesmo tempo sente-se culpado por sentir raiva deles.

Ele levantou os olhos e a encarou surpreso.

- Eu também perdi meus pais. Eu também senti essa raiva. - Segurou sua mão e o levou até o riacho. Abaixando-se devagar o puxou para junto e começou a lavar o corte com a água cristalina do riacho. Ele sentou-se a seu lado e ficaram em silêncio por alguns minutos. Então ele perguntou:

- Qual o seu nome?

- Ana e o seu?

- Carlos.

- Olá Carlos. – Disse simplesmente sorrindo. - Você gosta de vir aqui? Eu adoro. - Começou a tagarelar sem propósito algum e os minutos foram se passando. Quando ela percebeu já era hora de voltar para casa. Levantou-se depressa tomando um susto pelo adiantado da hora.

- Preciso ir. Já é muito tarde. - E correu em direção à saída do cemitério. Mas algo a fez parar. Voltou-se então para ele e perguntou: - Nos veremos amanhã?

Ele a encarou por um segundo e então sorriu concordando.

- Claro. Aqui nesse mesmo horário. Você gosta de música?

Ela concordou com um gesto de cabeça e ele sorriu já imerso em seus próprios pensamentos.

E nessa noite ela rezou por aquele garoto tímido, pedindo que no outro dia ele estivesse lá esperando por ela.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Tempestade



110ª Edição Conto/História
Tema: Todos queriam saber mais sobre quem era o(a) novo(a) vizinho(a).

(Pauta para o Bloínquês)

Apesar da chuva infernal que caia lá fora, era uma noite comum, sem nada de extraordinário. Ela já se habituara a rotina daquela comunidade. Chegara ali há seis meses e fora muito bem recebida. Viera para ocupar a cargo de enfermeira, o que era muito bom. Não que se incomodasse com outros trabalhos, mas como enfermeira podia participar mais do dia-a-dia da casa grande.

Também tinha algumas mordomias adicionais como um bangalô só para ela, um horário de trabalho flexível e convites para jantar todas as noites no salão com os hospedes.

Eles eram tão amáveis e divertidos. A maioria era composta por alegres senhoras, viúvas ou solteiras, que procuravam espantar a solidão passando grandes períodos do ano em locais como aquele. Existiam alguns senhores também, mas poucos, o que tornava a atenção deles algo bem disputado.

Elas batalhavam pela presença deles em suas mesas na hora do jantar, ou tentavam atrair sua atenção nos passatempos que inventavam todas as noites.

Devido ao horrível tempo que há dias castigava as janelas e fazia o telhado gemer de forma arrepiante, a Sr.ª Grimm sugeriu um concurso de contos de terror para aquela noite. Ela mesma iniciou lendo um macabro conto do mestre do suspense. Para criar um clima mais sombrio, as luzes foram apagadas e apenas a lareira e algumas velas iluminavam o salão.

Era divertido ver as senhoras dando gritinhos de assombro e depois várias risadinhas debochando umas das outras. Os senhores não se manifestavam, mas estavam concentrados ouvindo a convincente narração da velha dama.

A tempestade havia piorado ainda mais, se isso fosse possível. Estavam bastantes concentrados em uma parte especialmente arrepiante do conto quando um grande relâmpago clareou toda a sala e fortes batidas foram ouvidas na porta principal assustando a todos os presentes. Logo, porém, ouviram-se as risadinhas das senhoras e alguns pigarros dos senhores que tentavam disfarçar o sobressalto.

Como ela estava em pé junto à janela fora a primeira a avistá-lo. Era um senhor alto, de constituição atlética, com belos cabelos grisalhos. Segurava uma valise de mão e ao seu lado havia uma elegante mala preta com fechos dourados. Ele usava um sobretudo preto encharcado pela tempestade.

Nesse momento a Sr.ª Kelly, responsável pela recepção de novos hóspedes, se dirigiu ao salão de entrada. Havia um alvoroço na sala, o livro de contos esquecido em cima da pequena mesa lateral. Chegando perto da entrada, a Sr.ª Grimm fez um sinal pedindo silêncio para que pudessem escutar o que estava acontecendo na antessala.

A única coisa que conseguiram ouvir era que ele se chamava Sr. Collins e que viera para ficar por tempo indeterminado. A Sr.ª Kelly entregou a ele a chave da casa número 15 e vendo os frenéticos sinais da Sr.ª Grimm convidou-o para se aquecer um pouco no grande salão e tomar uma xícara de chá com os outros moradores. O silêncio com que se aguardou a sua resposta era impressionante. Todos queriam saber mais sobre quem era o novo vizinho.

Ao som de concordância do Sr. Collins todos correram para seus lugares habituais e a Sr.ª Grimm voltou a segurar seu livro com uma posse imponente.

A Sr.ª Kelly apresentou-o apenas como Sr. Collins, sem nenhuma informação adicional que saciasse a curiosidade dos demais. Depois começou a apresentá-lo a cada morador individualmente os quais ele cumprimentava com grande cortesia fazendo belos elogios as mulheres e respondendo com comentários perspicazes as indagações dos senhores.

Não que ela precisasse de qualquer apresentação para saber quem ele era. Vinha procurando-o há quase dois anos. Escolhera aquele lugar porque sabia que se encaixava no perfil dele. Esperara por seis meses, mas agora ele estava ali. Na mesma sala que ela, sorrindo e tagarelando com os hóspedes.

Seu coração parecia ter ganhado vida. Ela não se sentia assim há muito tempo. Desde que saíra do departamento de polícia. Desde que seu avô fora assassinado. Ela jurara em seu funeral que iria encontrar o golpista que o matara. E agora ele estava ali, se dirigindo para ela com um lindo sorriso no rosto e uma mão estendida para cumprimentá-la.

 – Mas que linda enfermeira. Assim não tem como todos os senhores não passarem mal. Já começo a sentir palpitações no peito. – Ele falou sorrindo e beijando-lhe a mão.

Ela não falou nada, apenas sorriu agradecendo o elogio e logo ele estava sendo levado novamente para o centro da sala.

Agora era apenas uma questão de tempo e paciência. Ela tinha instalado câmeras de segurança em frente a todos os chalés e em todos os salões da casa grande. Ela sabia como ele agia. Amanhã iria contatar a polícia local e deixar todos de sobreaviso.

Afinal a noite tivera seu toque de surpresa. Olhando pela janela viu que a tempestade abrandara e uma lua tímida surgira no céu. Trazia a esperança de que o tempo amanheceria melhor. Trazia a esperança de que agora ela poderia recomeçar a viver.

terça-feira, 13 de março de 2012

Carona



Tema: Quando conheci você...
 (Pauta para o Bloínquês)




Quando conheci você eu não sabia o quando minha vida iria mudar. Quase não te dei atenção. Se eu não tivesse parado o carro e te oferecido uma carona será que nunca iríamos nos tornar amigos? Amantes? Companheiros?

Quando conheci você eu não achava que poderia rir da mesma piada contada mais de dez vezes só pra fazer alguém feliz. Nem acreditava que alguma pessoa conseguiria domar o monstrinho que habitava dentro de mim.

Quando conheci você eu acreditava que nunca iria amar de novo. Eu não sabia que o amor pode nos encontrar por mais que nos escondemos. E que ele vem camuflado de várias formas.

Quando conheci você eu nem sonhava que minha filha poderia ter um segundo pai. Nem que você pudesse conquistar aquele pequenino ser escondido nas barras de minha calça. Ou que você poderia amá-la tanto que seria capaz de abdicar de sua própria felicidade pela felicidade dela.

Quando conheci você eu nem imaginava que ao meu lado estava um companheiro que me seguiria para qualquer lugar que eu fosse. E que sempre estaria ao meu lado, apoiando minhas decisões, me amparando nos momentos difíceis e me fazendo sorrir quando gostaria de chorar.

Quando conheci você eu esperava muito da vida, mas não esperava o quanto a vida com você poderia ser imensamente feliz.

Quando conheci você eu te ofereci uma carona. Obrigado por ter entrado naquele carro, por ter entrado em minha vida e por ter mudado o meu mundo.

 Ao meu marido que é a luz guia de minha vida.



terça-feira, 6 de março de 2012

Insônia



(Pauta para o Bloínquês)



Não conseguia dormir. Fora assim a sua vida toda. Quando algo o preocupava, o sono logo ia embora. Ficava pensando e pensado e só conseguia dormir de exaustão.

O luar entrava pela janela do quarto e deixava tudo iluminado com aquela sua cor branca que caracterizava seus momentos de angústia. Porque as coisas eram tão difíceis em sua vida? Será que era ele mesmo que tornava tudo mais difícil?

Olhou para Cris dormindo sossegada ao seu lado. Tentava não se mexer muito para não acordá-la. A última coisa que queria era falar com alguém. Esses momentos eram dele. Apenas dele.

Olhou-a novamente dormindo e ficou um pouco irritado. Era tudo por causa dela. Amanhã ele estaria esgotado, iria trabalhar feito um zumbi e passaria o dia todo de mal humor. Enquanto ela estaria renovada, com sua beleza encantando a todos que a rodeavam!

Sentiu logo a pontada de ciúmes que sempre vinha quando pensava nisso. Sua bela Cris sorrindo para outro rapaz, conversando animadamente com seu jeito espontâneo e alegre, demonstrando a afeição e o carinho com que tratava  a todos. Como não poderia haver legiões de apaixonados por ela? Como poderia esquecer aquele bilhete que ela recebera mês passado? Como poderia achar tudo aquilo uma bobagem?

Virou-se bruscamente na cama o que fez com que ela mudasse de posição, mas, para seu alívio, continuasse dormindo. Levantou-se lentamente e seu olhar caiu sobre a colcha dobrada aos pés da cama. Estava frio. Pegou a colcha e o travesseiro e foi para a sala. Precisava pensar.

Aconchegou-se no sofá, mas seus primeiros pensamentos não foram diretamente para Cris e sim para sua mãe. Como as duas eram parecidas. Ambas possuíam feições delicadas, eram amorosas e sorriam sem precisar de qualquer motivo.

Na verdade não tinha muitas lembranças da mãe, apenas aquelas que seu pai cultivara. Eles tiveram um divorcio conturbado. Com apenas seis anos de idade ele vira sua mãe partir para nunca mais voltar.

Seu pai sempre acreditara que ela voltaria. E essa esperança fez com que ele fosse se apagando aos poucos. Deixando de ser aquele homem forte que tanto o orgulhava, e transformando-o naquele ser sem vida que andava pela casa como se estivesse em outro mundo, ou em outra época.

Por isso desde muito cedo decidira não se casar. Nunca seria como seu pai. Isso nunca aconteceria com ele. Mas agora estava ali. Naquela situação.

 – Querido, está tudo bem? – Cris perguntou assustando-o um pouco com sua aparição silenciosa. – Senti sua falta na cama.

Ela o fitava com olhos sonolentos e uma rusga de preocupação na testa. Era agora ou nunca. Precisava falar com ela. Não poderia continuar assim. Tinha que tomar uma atitude. Tinha que tomar a direção de sua vida.

Levantou-se do sofá, caminhou em sua direção e tomou suas mãos apertando-as com um pouco de nervosismo . Como estavam frias. Em um súbito ato de inspiração ajoelhou-se em sua frente. Achando-se terrivelmente bobo falou com uma voz trêmula que nem ele reconheceu:

 – Cris, quer se casar comigo?  – Ele não sabia se ela tremia de frio ou de surpresa. Mas após alguns segundos, que lhes pareceram horas, ela finalmente falou.

 – Mas Beto, você não quer se casar. Você deixou isso bem claro quando começamos a namorar. Não precisa fazer isso. Eu não exijo nada de você. Eu entendo sua decisão e respeito isso. Eu sei o que aconteceu com o casamento de seus pais.

 – Mas estou fazendo isso por mim também. Preciso viver a minha vida e não a de meus pais. O que aconteceu com eles não vai necessariamente acontecer conosco. Se eu não fizer isso agora, terei essa dúvida para sempre. Como seria estar casado com você? Como seriam nossos filhos? Eu te amo Cris e sinto que preciso crescer como pessoa para ser merecedor do seu amor. Quero deixar minha insegurança e meus fantasmas para trás.

As lagrimas desciam pelo rosto dela e a única coisa que indicava que eram de felicidade era pelo sorriso que as acompanhavam.

 – E então? Estou esperando sua resposta. Mas se apresse, pois parece que estou ajoelhado numa barra de gelo. Assim você terminara casando com estátua congelada! – Disse sorrindo e piscando para ela.

 – Sim! Sim! É claro que eu quero me casar com você! – Respondeu ela chorando e sorrindo ainda mais.

Ele levantou-se e carregou-a de volta para o quarto. A felicidade fazendo-o sentir que poderia conquistar o mundo. Que poderia fazer qualquer coisa que quisesse. Sentindo-se como nunca havia se sentindo antes. Sentindo-se finalmente completo.