segunda-feira, 19 de março de 2012

Tempestade



110ª Edição Conto/História
Tema: Todos queriam saber mais sobre quem era o(a) novo(a) vizinho(a).

(Pauta para o Bloínquês)

Apesar da chuva infernal que caia lá fora, era uma noite comum, sem nada de extraordinário. Ela já se habituara a rotina daquela comunidade. Chegara ali há seis meses e fora muito bem recebida. Viera para ocupar a cargo de enfermeira, o que era muito bom. Não que se incomodasse com outros trabalhos, mas como enfermeira podia participar mais do dia-a-dia da casa grande.

Também tinha algumas mordomias adicionais como um bangalô só para ela, um horário de trabalho flexível e convites para jantar todas as noites no salão com os hospedes.

Eles eram tão amáveis e divertidos. A maioria era composta por alegres senhoras, viúvas ou solteiras, que procuravam espantar a solidão passando grandes períodos do ano em locais como aquele. Existiam alguns senhores também, mas poucos, o que tornava a atenção deles algo bem disputado.

Elas batalhavam pela presença deles em suas mesas na hora do jantar, ou tentavam atrair sua atenção nos passatempos que inventavam todas as noites.

Devido ao horrível tempo que há dias castigava as janelas e fazia o telhado gemer de forma arrepiante, a Sr.ª Grimm sugeriu um concurso de contos de terror para aquela noite. Ela mesma iniciou lendo um macabro conto do mestre do suspense. Para criar um clima mais sombrio, as luzes foram apagadas e apenas a lareira e algumas velas iluminavam o salão.

Era divertido ver as senhoras dando gritinhos de assombro e depois várias risadinhas debochando umas das outras. Os senhores não se manifestavam, mas estavam concentrados ouvindo a convincente narração da velha dama.

A tempestade havia piorado ainda mais, se isso fosse possível. Estavam bastantes concentrados em uma parte especialmente arrepiante do conto quando um grande relâmpago clareou toda a sala e fortes batidas foram ouvidas na porta principal assustando a todos os presentes. Logo, porém, ouviram-se as risadinhas das senhoras e alguns pigarros dos senhores que tentavam disfarçar o sobressalto.

Como ela estava em pé junto à janela fora a primeira a avistá-lo. Era um senhor alto, de constituição atlética, com belos cabelos grisalhos. Segurava uma valise de mão e ao seu lado havia uma elegante mala preta com fechos dourados. Ele usava um sobretudo preto encharcado pela tempestade.

Nesse momento a Sr.ª Kelly, responsável pela recepção de novos hóspedes, se dirigiu ao salão de entrada. Havia um alvoroço na sala, o livro de contos esquecido em cima da pequena mesa lateral. Chegando perto da entrada, a Sr.ª Grimm fez um sinal pedindo silêncio para que pudessem escutar o que estava acontecendo na antessala.

A única coisa que conseguiram ouvir era que ele se chamava Sr. Collins e que viera para ficar por tempo indeterminado. A Sr.ª Kelly entregou a ele a chave da casa número 15 e vendo os frenéticos sinais da Sr.ª Grimm convidou-o para se aquecer um pouco no grande salão e tomar uma xícara de chá com os outros moradores. O silêncio com que se aguardou a sua resposta era impressionante. Todos queriam saber mais sobre quem era o novo vizinho.

Ao som de concordância do Sr. Collins todos correram para seus lugares habituais e a Sr.ª Grimm voltou a segurar seu livro com uma posse imponente.

A Sr.ª Kelly apresentou-o apenas como Sr. Collins, sem nenhuma informação adicional que saciasse a curiosidade dos demais. Depois começou a apresentá-lo a cada morador individualmente os quais ele cumprimentava com grande cortesia fazendo belos elogios as mulheres e respondendo com comentários perspicazes as indagações dos senhores.

Não que ela precisasse de qualquer apresentação para saber quem ele era. Vinha procurando-o há quase dois anos. Escolhera aquele lugar porque sabia que se encaixava no perfil dele. Esperara por seis meses, mas agora ele estava ali. Na mesma sala que ela, sorrindo e tagarelando com os hóspedes.

Seu coração parecia ter ganhado vida. Ela não se sentia assim há muito tempo. Desde que saíra do departamento de polícia. Desde que seu avô fora assassinado. Ela jurara em seu funeral que iria encontrar o golpista que o matara. E agora ele estava ali, se dirigindo para ela com um lindo sorriso no rosto e uma mão estendida para cumprimentá-la.

 – Mas que linda enfermeira. Assim não tem como todos os senhores não passarem mal. Já começo a sentir palpitações no peito. – Ele falou sorrindo e beijando-lhe a mão.

Ela não falou nada, apenas sorriu agradecendo o elogio e logo ele estava sendo levado novamente para o centro da sala.

Agora era apenas uma questão de tempo e paciência. Ela tinha instalado câmeras de segurança em frente a todos os chalés e em todos os salões da casa grande. Ela sabia como ele agia. Amanhã iria contatar a polícia local e deixar todos de sobreaviso.

Afinal a noite tivera seu toque de surpresa. Olhando pela janela viu que a tempestade abrandara e uma lua tímida surgira no céu. Trazia a esperança de que o tempo amanheceria melhor. Trazia a esperança de que agora ela poderia recomeçar a viver.

4 comentários:

Luís Monteiro disse...

Bonito, cativante.
Um conto, como um conto deve ser. E, que bela enfermeira.
Bjws.
Até logo.

http://semguarda-chuvas.blogspot.com/

Drica disse...

Obrigada Rick :-))
É um incentivo tão grande entrar aqui e ver seu comentário.
bjss

Anônimo disse...

=D Tah muito bom. smarrr

Valquíria Paula disse...

Muito bem escrito, parabéns! Seu conto tem detalhes que nos levam para dentro da situação, gostei bastante.

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