segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A espera de uma vida

(Pauta para o Bloinquês)


Voltar para Paris definitivamente não tinha sido a melhor de suas ideias. Sentia-se como Sabrina, fugindo para esconder um coração partido. Entretanto a Paris linda, alegre e cheia de vida de que se lembrava não estava mais lá. A realidade mostrava uma cidade triste e chuvosa, apenas uma imagem em preto e branco.

Passava seus dias em caminhadas pelas margens do Sena, ou sentada em pequenos cafés espremidos nas calçadas das estreitas e antigas ruas da cidade. Precisava decidir o que iria fazer da vida. Estava em um daqueles únicos momentos em que tudo está suspenso, em que se pode tomar qualquer caminho. O problema era que não sabia que caminho devia tomar.

Desde que Alex se fora, levara com ele tudo que lhe era mais precioso. Seu coração, sua alegria de viver, sua paixão pela música. Não conseguia nem mais olhar para o violino. Trouxera-o consigo por força do hábito, mas ele ficava encostado a um canto do quarto apenas juntando poeira.

Conhecera Alex na faculdade. Ele estava fazendo direito, mas decidira fazer um curso de teatro para melhorar sua postura e dicção. É claro que ele sempre brincava dizendo que para se tornar um bom advogado o teatro era essencial e deveria ser matéria obrigatória na grade curricular. Eram tão felizes, tão jovens e despreocupados.

Casaram-se apenas dois meses após a sua formatura. Em seu discurso ele dissera que amava sua música, que quando ela tocava o mundo ficava mais bonito. Também falou de seu sorriso, de sua alegria e de seu entusiasmo, em como o mundo se iluminava todas as vezes que ele a olhava. Nunca se sentira tão amada e especial como naquele momento.

Passaram a lua de mel em Paris. Fora um sonho, simplesmente perfeito. A primeira vez em que viram o Sena era fim de tarde e a luz do sol espalhava aquela cor amarelada em tudo que tocava. Havia um músico tocando “La Vie En Rose” em um velho sax e ela não resistira e pegara seu violino para acompanhá-lo. Enquanto isso Alex apanhou o chapéu do saxofonista e começou a passá-lo pelas pessoas que se juntavam para ouvi-los tocar, agradecendo espalhafatosamente sempre que ganhava uma moeda.

Lembrar-se desses momentos agora era insuportavelmente doloroso. Realmente não deveria ter vindo para Paris. Como poderia curar-se daquela dor se a alimentava em cada esquina por onde passava? Como poderia começar uma nova vida, se a passada ainda era tão recente, tão viva em seu coração?

Hoje fazia exatamente um mês desde que ele fora arrancado tão precipitadamente de sua vida. Ele saíra para comprar uma pizza e um pneu estourado, um carro capotado, acabara com seus dias felizes. E agora não sabia o que fazer. Não sabia nem como respirar. Tudo era tão sem sentido.

Enxugou uma única lagrima que teimava em descer por seu rosto. Ainda deveria ficar em Paris por mais alguns dias, mas quando voltasse começaria a procurar um novo emprego. Talvez até mudasse de cidade. O melhor seria apagar tudo de sua antiga vida e começar uma nova. Segurou entre as mãos o pequeno pingente da corrente, primeiro presente que recebera de Alex, e retirou-a lentamente do pescoço. Olhou-a com carinho e deixou-a em cima da mesa, em um sinal de despedida. Levantou-se rapidamente, antes que mudasse de ideia, e deu um passo para deixar o bistrô.

Ela não saberia dizer se fora o movimento rápido ao levantar-se da cadeira ou a falta de uma alimentação regular nos últimos dias que a fizeram ficar tonta. Mas antes que pudesse fazer qualquer outro movimento, tudo escureceu e ela sentiu que o chão não estava mais sob seus pés.

Acordou em uma cama de hospital, sentindo-se cansada e ainda um pouco atordoada. Era só o que faltava: ficar doente em Paris! Nesse momento entrou um médico alto e calvo e começou a falar palavras totalmente incompreensíveis. Seu francês era inútil naquela situação. Só sabia o básico para um turista se virar bem sozinho.

Percebendo que ela não compreendia saiu do quarto e deixou-a novamente sozinha, mas por poucos minutos. Voltou com um jovem médico moreno que lhe perguntou se falava inglês. Fez um gesto que indicava que compreendia um pouco sim, o que o deixou aliviado. Ele informou que fizeram alguns exames de sangue e que ela não tinha nada de grave, apenas um pouco de desnutrição. Que seria necessário que ela tomasse algumas vitaminas e evitasse atividades físicas exaustivas, principalmente devido à condição em que ela estava.

Aquelas palavras fizeram seu coração disparar. Seus olhos arregalados disseram ao jovem médico que ela não sabia de que condição ele estava falando. Ele então a informou que ela estava entre oito e dez semanas de gravidez e saiu do quarto dizendo que chamaria um obstetra para conversar com ela.

Não podia ser verdade. Ela realmente estaria grávida? Sua mente não conseguia acreditar nisso, mas seu coração já estava ganhando vida novamente, batendo como louco dentro de seu peito. As lagrimas que ela achou que tinham secado voltaram a correr por seu rosto. Olhou para o lado e para seu completo espanto, na mesinha ao lado da cama estava o seu colar com o pingente especial. Pegou-o na mão, rindo de felicidade entre as lagrimas que desciam.

Um pedaço daquele amor estava vivo e estaria sempre com ela. Achara a nova vida que estava procurando, só não sabia que seria literalmente uma nova vida dentro dela. Abraçou a barriga e começou a cantarolar uma melodia de ninar, já desejando que seu violino estivesse ali com ela.

1 comentários:

Thiago disse...

Você sabe que eu amo esse texto, né?
Queria ser a primeira a comentar antes de você ficar conhecida e tal... :D

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