(Pauta para o Bloinquês)
Voltar para Paris definitivamente
não tinha sido a melhor de suas ideias. Sentia-se como Sabrina, fugindo para
esconder um coração partido. Entretanto a Paris linda, alegre e cheia de vida de
que se lembrava não estava mais lá. A realidade mostrava uma cidade triste e chuvosa,
apenas uma imagem em preto e branco.
Passava seus dias em caminhadas
pelas margens do Sena, ou sentada em pequenos cafés espremidos nas calçadas das
estreitas e antigas ruas da cidade. Precisava decidir o que iria fazer da vida.
Estava em um daqueles únicos momentos em que tudo está suspenso, em que se pode
tomar qualquer caminho. O problema era que não sabia que caminho devia tomar.
Desde que Alex se fora, levara com
ele tudo que lhe era mais precioso. Seu coração, sua alegria de viver, sua
paixão pela música. Não conseguia nem mais olhar para o violino. Trouxera-o
consigo por força do hábito, mas ele ficava encostado a um canto do quarto apenas
juntando poeira.
Conhecera Alex na faculdade. Ele estava
fazendo direito, mas decidira fazer um curso de teatro para melhorar sua postura
e dicção. É claro que ele sempre brincava dizendo que para se tornar um bom
advogado o teatro era essencial e deveria ser matéria obrigatória na grade
curricular. Eram tão felizes, tão jovens e despreocupados.
Casaram-se apenas dois meses após
a sua formatura. Em seu discurso ele dissera que amava sua música, que quando
ela tocava o mundo ficava mais bonito. Também falou de seu sorriso, de sua
alegria e de seu entusiasmo, em como o mundo se iluminava todas as vezes que
ele a olhava. Nunca se sentira tão amada e especial como naquele momento.
Passaram a lua de mel em Paris.
Fora um sonho, simplesmente perfeito. A primeira vez em que viram o Sena era
fim de tarde e a luz do sol espalhava aquela cor amarelada em tudo que tocava. Havia
um músico tocando “La Vie En Rose” em
um velho sax e ela não resistira e pegara seu violino para acompanhá-lo. Enquanto
isso Alex apanhou o chapéu do saxofonista e começou a passá-lo pelas pessoas que
se juntavam para ouvi-los tocar, agradecendo espalhafatosamente sempre que
ganhava uma moeda.
Lembrar-se desses momentos agora
era insuportavelmente doloroso. Realmente não deveria ter vindo para Paris. Como poderia curar-se daquela dor se a
alimentava em cada esquina por onde passava? Como poderia começar uma nova vida,
se a passada ainda era tão recente, tão viva em seu coração?
Hoje fazia exatamente um mês
desde que ele fora arrancado tão precipitadamente de sua vida. Ele saíra para
comprar uma pizza e um pneu estourado, um carro capotado, acabara com seus dias felizes. E agora
não sabia o que fazer. Não sabia nem como respirar. Tudo era tão sem sentido.
Enxugou uma única lagrima que teimava
em descer por seu rosto. Ainda deveria ficar em Paris por mais alguns dias, mas quando
voltasse começaria a procurar um novo emprego. Talvez até mudasse de cidade. O
melhor seria apagar tudo de sua antiga vida e começar uma nova. Segurou entre
as mãos o pequeno pingente da corrente, primeiro presente que recebera de Alex,
e retirou-a lentamente do pescoço. Olhou-a com carinho e deixou-a em cima da
mesa, em um sinal de despedida. Levantou-se rapidamente, antes que mudasse de
ideia, e deu um passo para deixar o bistrô.
Ela não saberia dizer se fora
o movimento rápido ao levantar-se da cadeira ou a falta de uma alimentação
regular nos últimos dias que a fizeram ficar tonta. Mas antes que pudesse fazer
qualquer outro movimento, tudo escureceu e ela sentiu que o chão não estava
mais sob seus pés.
Acordou em uma cama de hospital, sentindo-se
cansada e ainda um pouco atordoada. Era só o que faltava: ficar doente em Paris!
Nesse momento entrou um médico alto e calvo e começou a falar palavras
totalmente incompreensíveis. Seu francês era inútil naquela situação. Só sabia
o básico para um turista se virar bem sozinho.
Percebendo que ela não compreendia
saiu do quarto e deixou-a novamente sozinha, mas por poucos minutos. Voltou com
um jovem médico moreno que lhe perguntou se falava inglês. Fez um gesto que
indicava que compreendia um pouco sim, o que o deixou aliviado. Ele informou
que fizeram alguns exames de sangue e que ela não tinha nada de grave, apenas
um pouco de desnutrição. Que seria necessário que ela tomasse algumas vitaminas
e evitasse atividades físicas exaustivas, principalmente devido à condição em
que ela estava.
Aquelas palavras fizeram seu
coração disparar. Seus olhos arregalados disseram ao jovem médico que ela não
sabia de que condição ele estava falando. Ele então a informou que ela estava entre
oito e dez semanas de gravidez e saiu do quarto dizendo que chamaria um
obstetra para conversar com ela.
Não podia ser verdade. Ela
realmente estaria grávida? Sua mente não conseguia acreditar nisso, mas seu
coração já estava ganhando vida novamente, batendo como louco dentro de seu
peito. As lagrimas que ela achou que tinham secado voltaram a correr por seu
rosto. Olhou para o lado e para seu completo espanto, na mesinha ao lado da cama
estava o seu colar com o pingente especial. Pegou-o na mão, rindo de felicidade
entre as lagrimas que desciam.
Um pedaço daquele amor estava
vivo e estaria sempre com ela. Achara a nova vida que estava procurando, só não
sabia que seria literalmente uma nova vida dentro dela. Abraçou a barriga e
começou a cantarolar uma melodia de ninar, já desejando que seu violino
estivesse ali com ela.
1 comentários:
Você sabe que eu amo esse texto, né?
Queria ser a primeira a comentar antes de você ficar conhecida e tal... :D
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